Oi, eu sou “do bem”! Cuidado nas aquisições de marcas criativas!
A sede por aquisições vorazes de ícones da recente economia jovem, como a mais nova cartada da AmBev, na última segunda-feira (25.04), com compra da fabricante carioca de sucos DO BEM, ou dos smoothies INNOCENT, com participação adquirida pela COCA-COLA, em 2011, podem sufocar o espírito inovador e gerar crises com consumidores. É preciso cuidado para colher resultados!
Parece tentador. Por valores frequentemente irrisórios para grandes players, marcas em ascensão meteórica e com prestígio inovador são arrematadas. Neutralizar a concorrência que começa a incomodar e aumentar mercado consumidor em uma só tacada é jogada comum nos negócios.
Deturpar a “essência” dessas marcas (justamente o atrativo inicial), flertar com a rejeição de um público altamente engajado, e muitas vezes gerar gastos adicionais de energia e dinheiro em busca das sinergias esperadas, são alguns dos efeitos colaterais do processo.
Nesta semana a Ambev protagonizou mais um cápitulo em sua extensa lista de aquisições com a compra da Do Bem. Acostumada a cravar bandeira em ícones da cultura de países distintos, como os EUA, com a compra da Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser (um símbolo norte-americano), ou mesmo da gigantesca compra da anglo-sul-africana, SAB Miller, por US$ 106 bi, em outubro do ano passado, a empresa sabe bem o que é enfrentar resistência não só de consumidores, mas também de funcionários, nacionalistas e simpatizantes.
Para relembrar, as operações com a Budweiser nos EUA enfrentaram fortes protestos. Na época da aquisição, em 2008, até o então candidato à pesidência, Barack Obama, chegou a se manifestar e declarou que “seria uma vergonha se estrangeiros se tornassem donos da Bud”. Nessa época a Ambev amargou boicotes de consumidores e queda em suas vendas.
No caso da compra dos sucos Do Bem, um tipo de transação onde os gigantes não vislumbram grandes ganhos (ao menos não da maneira tradicional com aumento de escala), os pequenos, por sua vez, tem seu bem mais valioso ameaçado: sua reputação.
Mas em ambas as situações as relações intangíveis presentes nas atitudes das marcas ganham destaque e os cuidados entre o “choque de culturas” adquirem atenção mais profunda. Tais situações envolvem mais que uma simples relação comercial e atingem níveis mais sofisticados do espírito humano: representação, admiração e confiança, por exemplo.
No mercado das microcervejarias no Brasil, a AmBev já começou a caminhar nesse sentido no início de 2015. Após a aquisição da mineira Wäls, bons produtos já começaram a aparecer, maior autonomia foi dada aos novos sócios, e parte da imagem negativa inicial do processo de compra começou a ser revertida entre os consumidores.
A aquisição da Do Bem pela AmBev representa um primeiro passo no segmento de não alcoólicos e ainda é muito recente para determinarmos o futuro, mas o passado recente pode ajudar com algumas lições semelhantes.
A marca londrina de smoothies, Innocent, espécie de “irmã mais velha” da Do Bem, teve participação adquirida pela Coca-Cola em 2011 e não foi poupada de críticas por seus consumidores.
Nos rótulos da Innocent também constam as informações do tipo: 10 uvas prensadas, 100% fruta ou 10 morangos triturados e nada mais (alguma semelhança?). Na ocasião da compra seus admiradores a acusaram de corromper seu DNA purista em uma avalanche de críticas nas redes sociais.
Mesmo para um player veterano como a Coca-Cola, absorver instantaneamente tais valores, atitudes e a “ginga” moderna, além é claro, dos milhões de consumidores fiéis apaixonados por uma nova maneira de produzir, não foi tarefa simples, e exigiu certamente mais esforços do que o julgado inicialmente.
Coincidência ou não, após a aquisição uma matéria do Daily Mail apontou que os smoothies Innocent de blueberrie e açaí tinham a mesma quantidade de açúcar que três donut’s e meio. Nada bom para uma empresa que tem um mantra bastante específico “taste good does good“.
Aqui no Brasil antes mesmo da compra pela Ambev, a Do Bem enfrentou problemas com os consumidores e foi investigada pelo Conar em 2014, por abusar o “storytelling” em suas marcas. A empresa usava atrativos “Eco Friendly”, como dizer que suas laranjas vinham da Fazenda do Sr. Francesco. Matéria da Exame mostrou, contudo, que fornecedores gigantes abasteciam a empresa.
A despeito do desenrolar dessa mais nova história dos negócios que começa a ser escrita, um fato chama atenção: Grandes corporações estão sofrendo para acertar a mão e entender a nova cultura de co-criação de empresas com DNA inovador e espírito jovem. Na verdade, elas estão tendo que se contentar em comprar empresas com mais “magia”, ao invés de elas mesmas conseguirem criar novas marcas tão cativantes quanto, e isso diz muito sobre o atual momento das velhas práticas corporativas.
Marcas independentes + gigantes corporativos, cada qual com seus dilemas, representam enorme desafio de gerenciamento de ativos intangíveis, e acomodar tais mundos distintos exige um exaustivo exercício de participação horizontal e menos totalitarismo corporativo.
Hoje as marcas não pertencem mais as empresas, e isso é assustador do ponto de vista da velha economia. Uma aquisição vai muito além do valor pago por um conjunto de ativos (incluindo aqui a imagem), assim como o marketing e o branding vão muito mais distantes do que impulsionar produtos ou formatar belas histórias e rótulos bonitos.
A equação entre responsabilidade, criatividade e a entrega de promessas precisam andar juntas na nova economia do século XXI assim como a participação apaixonada e o sentimento de dono dos clientes-embaixadores. O novo consumidor e a redes sociais são os novos juízes antitruste, e estão aí para provar!