BTG Pactual e as dificuldades das “empresas de um homem só”
A mais recente derrapada do BTG Pactual tem algo a nos dizer sobre as armadilhas corporativas da identificação excessiva por um único controlador. A nova série musical da HBO “Vinyl” também!
Publicado originalmente na coluna Branding, Consumo e Negócios da EXAME.com
A prisão de André Esteves teve um efeito devastador no BTG. Suas ações, que estavam próximo aos R$30,00 antes do ocorrido, tiveram uma queda vertiginosa e chegaram a valer R$12,00 e hoje apresentam uma pequena recuperação, cotadas em torno de R$16,00.
Neste mês, houve também um novo e duro golpe: o banco caiu mais três níveis abaixo do patamar mínimo considerado grau de investimento, de “Ba2” para “Ba3”, na escala da agência Moody’s.
Além do mensurável dano financeiro, existe a imensurável perda de imagem. Quem irá querer que o BTG faça a intermediação de uma compra ou venda para sua empresa daqui para frente? Certamente menos do que no passado. O banco perdeu aquilo que lhe é mais caro: sua credibilidade.
Essa relação entre o principal executivo e uma empresa gera o que podemos chamar de “empresas de um homem só”. Não porque não tenham outros colaboradores que fazem o sucesso da empresa, mas porque tudo que é positivo acaba sendo creditado a uma só pessoa, já o que é negativo, nem tanto, pois neste caso o fracasso é muitas vezes injustamente compartilhado. Ser uma “empresa de um homem só” permite ter um líder claro, que tende a emprestar um magnetismo e intensidade pouco encontrada em outras empresas – e isso a faz prosperar. Mas quando eles sucumbem, por qualquer razão que seja, as empresas tem quedas avassaladoras.
André Esteves: Durante anos coração e cérebro das operações, agora um carcinoma institucional para o banco
Ainda que pareçam poucas, as “empresas de um homem só” são mais frequentes do que podemos imaginar. Em um recente estudo realizado pelo Peterson Institute for International Economics, “The Origins of the Superrich: The Billionaire Characteristics Database” se observou que 70% dos empresários construíram seus negócios do zero, enquanto apenas 30% herdaram suas riquezas. No Brasil esse número ficou um pouco mais equilibrado, com 52,3% a favor dos que construíram do início, mas as empresas ancoradas num grande executivo, dono e fundador ainda são metade desse universo.
Assim acontece em inúmeras empresas, mais do que nos damos conta de perceber, desde o emblemático exemplo da Apple, de Steve Jobs, passando pelos nacionais Ambev, Magazine Luiza, Casas Bahia, Pão de Açúcar, e até mesmo nas empresas de médio/pequeno porte, onde isso tende a ser muito mais comum.
Ainda que perigoso, as “empresas de um homem só” não vão desaparecer. Afinal, o mito do herói presente nelas estimula clientes, funcionários e parceiros. E eles são tão cativantes que saem do mundo corporativo e entram no mundo da ficção.
A série Vinyl, da HBO, utiliza-se disso com frequência. Richie Finestra (Bobby Cannavale), o executivo centralizador em questão, pratica negócios com entusiasmo e emoção, flertando ocasionalmente com o politicamente incorreto. Finestra nos mostra, acima de tudo, um idealismo contagiante em seu ofício, que parece absolvê-lo de certas condenações de valores, tal como observamos em alguns líderes empresariais modernos.
Richie Finestra: Idealismo contagiante que parece absolver certas condenações de valores
Sua personalidade controversa se confunde com a conduta de sua empresa de maneira indissociável, criando a mitológica, e por vezes sedutora, aura influenciadora das “empresas de um homem só”, no melhor estilo self-made man. O exemplo pode ser usado para qualquer das empresas citadas anteriormente, ainda que de maneira menos intensa do que a retratada na ficção, embora Vynil se baseie em histórias reais da indústria fonográfica dos anos 70, muitas delas colecionadas, in-loco, pelo produtor-executivo da série, Mick Jagger.
Enquanto se caminha de maneira ascendente, tudo parece bem. Mas quando o mito caí, invariavelmente o foco (ou desespero) recai sobre a marca e o quanto ela foi trabalhada para ser autônoma, íntegra e capaz de entregar toda a expectativa em torno dela; mesmo com a ausência, o eventual desgaste ou a completa deterioração das reputações individuais associadas a elas. A empresa deve se preparar para ser maior do que o seu mito.
A pergunta que fica para essas empresas é: quando é o momento de abandonar a dependência da imagem do fundador, e investir na criação de uma marca que vá além das pessoas? Quando é o momento ideal de ressignficar o nome da empresa para que ele fique desvinculado do seu principal executivo? A nossa resposta é: o quanto antes.
O Branding aplicado nas empresas deve transcender as figuras humanas e propor uma cultura longeva e coletiva, percebida genuinamente por seus clientes e colaboradores a despeito de seus criadores ou executivos chave, por mais importantes, carismáticos ou poderosos que possam ser. Essa é uma prática complexa, e que deve ser feita por todas as empresas, em qualquer circunstância.
O quanto antes a empresa conseguir dar espaço para novos executivos, melhor. Isso não significa abrir mão do magnetismo do líder inicial, mas sim compor a sua personalidade com os demais ascendentes em equipe e formar uma cultura que os ultrapasse. Como uma equipe de futebol, a empresa precisa de “novos jogadores” para depender menos da sua grande estrela. Qualquer Messi precisa de um Suárez e de um Neymar. E o Barcelona não pode depender somente deles. Assim como nenhuma empresa que aspire a perenidade e o valor de sua marca pode depender de apenas um executivo.
Em tempos de exposição cada vez maior, e limites frágeis entre pessoa física e jurídica, o papel da marca institucional cresce enormemente e deve ser fruto de uma construção e gestão efetiva por parte da empresa, caso contrário, a empresa se desfaz junto com o mito. O BTG não nos deixa mentir.
Texto produzido por Fabricio Trevisan e Marcos Bedendo, consultores da Brandwagon, consultoria de branding e inovação.